Design de serviço, ou service design, é a abordagem metodológica que a DparaE utiliza para apoio à tomada de decisão estratégica, conforme já apresentamos neste artigo. Neste texto, faremos um outro link: o uso do design de serviço para apoiar o cuidado centrado no paciente, um conceito da área da saúde que vem ganhando força nos últimos anos.
Para escrever sobre este tema com a gente, chamamos a Kelly Cristina Rodrigues, diretora executiva da Patient Centricity Consulting, especialista em experiência do paciente, profissional pioneira em trazer para o Brasil este conceito a partir de conhecimentos e vivências internacionais na Cleveland Clinic, Beryl Institute e Instituto de Experiência de Pacientes da Espanha.
A ligação entre essas duas temáticas fica muito clara em qualquer leitura inicial sobre os temas. Os grandes benchmarks de mercado de empresas que implementaram a gestão da experiência do paciente (PX) usam a abordagem do design em seus casos de sucesso.
A pauta de cuidado centrado no paciente tem dominado os eventos da área no Brasil de 2016/17 para cá, e tem se tornado foco estratégico de grandes instituições de saúde, sejam hospitais, clínicas, operadoras ou indústrias (desde equipamentos até as farmacêuticas). Mas como aplicá-lo na prática? É sobre isso que vamos falar neste artigo!
Bom, vamos começar esclarecendo os termos: o que é design de serviço e o que é cuidado centrado no paciente?
Design de serviço
Design de serviço é o design thinking aplicado a um serviço. Podemos dizer que é a utilização da forma de pensar do design na ação de servir, de realizar algo que serve ou atende a alguém.
O design de serviço é uma metodologia que procura fazer com que os serviços possam ser utilizáveis, fáceis e desejáveis para os usuários, considerando que os usuários podem ser os clientes, os consumidores ou os colaboradores de uma organização. Na área da saúde, os usuários são os pacientes e seus familiares, além dos colaboradores que prestam o serviço.
O importante é pensar que os usuários dos serviços sempre são pessoas! Por isso, podemos sumarizá-lo como algo que coloca as pessoas no centro, seja na construção de soluções de sistemas ou de processos organizacionais.
O design aqui é pensando no sentido de projeto, portanto, design de serviço significa em algum grau projetar serviços. Ao ouvir isso pela primeira vez pode parecer estranho. É mais usual pensar no projeto de um produto ou de uma peça gráfica, mas serviços também podem ser projetados! Por isso, vamos voltar um pouco para entender o que é serviço.
Então, para projetar um serviço que atenda às necessidades de quem os utiliza, emprega-se ferramentas que contribuem para um entendimento mais profundo dos hábitos, das preferências e das necessidades dos usuários, o que pode gerar novas soluções a serem desenvolvidas. Além de fornecer um olhar de fora para dentro do negócio, o design de serviço procura entender o serviço de forma holística, trabalhando com processos que incentivam a colaboração e a cocriação na busca de melhorias ou novas soluções em serviços.
Quando projetamos um serviço é desejável que os colaboradores da organização — e muitas vezes até os próprios usuários dos serviços — se envolvam durante esse desenvolvimento. Esse envolvimento é essencial para que os colaboradores possam entender as necessidades dos usuários do serviço e contribuir para propor melhorias. Além disso, a participação dos colaboradores faz com que essa nova forma de pensar, que coloca os usuários no centro da estratégia das empresas, passe a permear toda a organização.
Com o design de serviço podemos projetar qualquer serviço. Aqui vamos falar sobre projetar um serviço de saúde, de maneira a utilizarmos essa ferramenta nas estratégias de implementação da gestão da experiência do paciente. Agora vamos falar um pouco sobre essa área e seus conceitos.
Cuidado centrado no paciente
Em março de 2001, o Institute of Medicine, hoje chamado de National Academy of Medicine, publicou artigo sobre o novo sistema de saúde para o século XXI — cruzando o abismo de qualidade. Criticando as entregas do sistema americano de saúde, sugeriu seis objetivos para melhoria de tal sistema, dentre os quais menciona o cuidado centrado no paciente, o qual define como:
Cuidado centrado no paciente: prestar cuidados que sejam respeitosos e responsivos em preferências, necessidades e valores individuais do paciente e assegurar que os valores do paciente orientem todas as decisões clínicas.
O início do século XXI de fato marcou as mudanças sobre o entendimento do que é satisfação na área da saúde, e passou-se a observar outros requisitos para qualificar um serviço como bom. O paciente tornou-se protagonista no processo assistencial, sendo um agente ativo no tratamento e no cuidado. A partir desse novo paradigma, passamos a falar sobre a experiência do paciente.
A era da experiência
Vivemos, na verdade, a era da experiência, caracterizada por uma grande servitização da economia — mesmo na venda de produtos, ocorre a venda de serviços correlatos, por isso falamos tanto na venda de uma experiência para clientes. Neste novo contexto, muitas empresas têm colocado seus clientes no foco de sua estratégia e a área da saúde não ficou de fora.
A pauta da experiência do paciente também tem sido de alguma forma abordada em acreditações da área, como a Joint Comission, ONA, Planetree, Qmentum, Magnet, etc. O Instituto de Experiência de Pacientes da Espanha, por exemplo já começou a fazer certificações nos Hospitais da Espanha focados no tema, além de ser uma das dimensões do Triple Aim, lançado em 2008 pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI) como uma estratégia para melhorar o sistema de saúde. Mais recentemente, a experiência do colaboradortambém foi adicionada como uma quarta dimensão, do que tem sido chamado de Quadruple Aim.
A implementação de uma gestão da experiência do paciente impacta diretamente em construir uma cultura organizacional que privilegie o tema, ter uma liderança que apoie a sua implementação, além de indicadores estratégicos que apontem o que é importante e o que precisa ser acompanhado e melhorado.
Como exemplo de indicadores estratégicos, podemos citar o como o NPS (Net Promoter Score), que tem se consolidado como uma alternativa objetiva, ágil, de fácil utilização e que traz bons feedbacks de clientes.
Com o olhar atento para a experiência do paciente, com as medições de desempenho como o NPS, com o paciente no foco da estratégica dos negócios de saúde, temos um grande empoderamento dos pacientes no tratamento de saúde. Isso acarreta em novas formas de se tomar e de se prestar serviços de saúde. E por isso, os serviços de saúde precisam ser redesenhados!
O impacto do cuidado centrado no paciente nas organizações de saúde
A assistência em saúde precisa ser vista de maneira sistêmica e integrada para que o paciente esteja no centro do cuidado. A adoção de novas tecnologias é também fator crítico de sucesso nesta empreitada.
Boas práticas vêm sendo desenvolvidas em vários hospitais pelo mundo, inclusive com a implementação de escritórios de experiência do paciente como forma de gerenciar essa experiência.
Um caso de sucesso é o da Cleveland Clinic, que foi descrito por James Merlino no livro intitulado “Obcecados por servir — Construindo valor a partir da experiência do paciente”. O livro inclui também o caso brasileiro doHospital Israelita Albert Einstein.
Para sustentar uma implementação de gestão da experiência do paciente é preciso que essa seja uma diretriz estratégica. Os impactos dessa implementação certamente atingirão os âmbitos tático e operacional do negócio, mas devem ser claros e definidos primeiramente de forma estratégica — a liderança precisa apoiar um projeto de experiência do paciente.
O que é preciso para implementar o cuidado centrado no paciente?
É preciso entender e considerar a cultura da organização. Mesmo tornando a gestão da experiência do paciente uma diretriz estratégica, é preciso compreender e gerenciar a experiência do colaborador e do corpo clínico primeiramente.
Além disso, é preciso definir o que é a experiência do paciente em cada contexto — qual a percepção dos pacientes e familiares daquele serviço? E como os prestadores do serviço o percebem? Para isso, as ferramentas de design de serviço que objetivam o entendimento em profundidade das necessidades dos usuários são muito valiosas.
Instrumentos de avaliação, implantação de gestão da experiência do colaborador, disseminação das boas práticas para sustentar uma boa experiência do paciente e a manutenção de ciclos de melhoria são também passos obrigatórios. O design de serviço serve para todos eles, garantindo uma execução empática, cocriada, holística e evidente (que possui evidências), engajando todos nesse foco.
Então o design de serviço é um caminho para implementação do cuidado centrado no paciente?
Certamente! O mindset do design e as ferramentas do design de serviço são um ótimo caminho para a implementação do cuidado centrado no paciente, para uma efetiva gestão da experiência de pacientes e familiares em uma organização de saúde.
Como preconiza o design de serviço, as pessoas devem ser o centro da estratégia de qualquer negócio, portanto, pensando na área da saúde, o paciente deve ser o foco — ele deve ser ouvido, considerado e respeitado.
Devemos saber o que é valor para paciente e familiares e trabalhar para que esse valor seja entregue. Para que isso ocorra, as empresas precisam evoluir e amadurecer de maneira que as pessoas sejam cada vez mais significativas — todas as pessoas, em todos os contextos, especialmente na saúde.
Autoras: @Claudia Grandi @Kelly Cristina Rodrigues